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ANPOCS COMUNICA #3

 
BOLETIM 2018 TOP2

19 ABRIL 2021

 

 

 
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ANPOCS COMUNICA #3

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#Segundas-feiras na ANPOCS

No dia 26 de abril às 17 h, ANPOCS Inova recebe Sergio Adorno (USP) para uma conversa sobre o projeto Cepid/FAPESP por ele coordenado. A mesa contará com o debate de Maria Stela Grossi Porto (UnB).

A mesa abre uma série voltada aos debates sobre grandes projetos de pesquisa em curso nas Ciência Sociais brasileiras.

Acesse nosso canal no YouTube e acompanhe!



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#Conectando cientistas sociais à imprensaANPOCS Inova

A ANPOCS firmou colaboração com a Agência Bori visando intensificar e ampliar a divulgação de resultados de pesquisas e publicações na área de Ciências Sociais na imprensa.

A Bori é um serviço que apoia a cobertura jornalística baseada em evidências científicas. Ela faz isso por meio da disponibilização de estudos científicos inéditos, com textos explicados em seu site, e disponibilização de contatos de cientistas cadastrados em seu banco de fontes para jornalistas cadastrados. Todos os serviços são gratuitos.

Pesquisas antecipadas à imprensa pela Bori têm conseguido grande impacto de disseminação, sendo repercutidas por diversos veículos de comunicação, com alcance nacional, como os jornais O Globo, Folha de S. Paulo, Correio Braziliense, Globonews, CNN ou alcance regional e local, como é o caso dos jornais Zero Hora, O Povo, Correio da Bahia, entre outros. Hoje, são mais de 1.400 jornalistas de diversas regiões do país que acessam diariamente a Bori em busca de pautas para suas matérias.

Convidamos os/as pesquisadores/as da área de Ciências Sociais a se cadastrarem na Agência Bori. Especialmente, fazemos uma chamada aos/às colegas com pesquisas em temas como políticas públicas de segurança alimentar, biodiversidade, produção de alimentos, ambiente alimentar e alimentação escolar, pois em fevereiro de 2021, a Agência Bori criou uma área específica voltada a sistemas alimentares para fortalecer a disseminação de estudos e evidências científicas sobre tais temas. Junto à iniciativa, que tem apoio do Instituto Ibirapitanga, criamos um banco de fontes de sistemas alimentar com contatos de cientistas de instituições de pesquisa de todo o país disponíveis para atender a imprensa sobre o tema.


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#Encontro Anual 2021

O 45º Encontro Anual da ANPOCS será realizado entre 19 e 27 de outubro por meio de plataforma virtual, condição imposta pela grave crise sanitária que segue persistente no Brasil.

As chamadas para envio de resumos para GTs, SPGs e para propostas de mesas redondas serão lançadas em 27/04.

#Ações Afirmativas no Encontro Anual da ANPOCS

Neste ano, o Encontro contará com uma Política de Ações Afirmativas com reserva de 20% de vagas para pesquisadores/as pretos/as, pardo/as, indígenas, trans ou com deficiência que participem de GTs e SPGs como expositores/as de paper.

Ainda, como modo de estimular debates acadêmicos que levem em consideração maior equilibro na composição de gênero, apenas serão habilitadas propostas de Mesas Redondas que contemplem entre seus integrantes ao menos 1 (uma) pesquisadora como expositora.

Essas Políticas se guiam pela auto declaração dos/as pesquisadores/as no momento da submissão de seus trabalhos.

Como as Ciências Sociais brasileiras são atravessadas, ainda, por desigualdades regionais substantivas, a composição da programação final de GTs e SPGs também seguirá observando critérios de representatividade regional.

Consulte as diretrizes aqui.


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#Professora Emérita

 

No último dia 06 de abril, Lia Zanotta Machado recebeu o título de Professora Emérita Departamento de Antropologia da UnB.

Ao rever sua trajetória acadêmica, Lia oferece uma visão de conjunto não apenas da Antropologia e das Ciências Sociais brasileiras nas últimas décadas, como uma reflexão crítica e aguda sobre nosso momento político. Mais do que isso, expõe os desafios urgentes postos às nossas disciplinas face ao desmonte das políticas de direitos humanos em que estamos vivendo e morrendo. Trajetórias intelectualmente consistentes e comprometidas como a de Lia Zanotta são mais do que inspiradoras: ajudam-nos a ganhar perspectiva para a tarefa coletiva que nos chama.

A Anpocs agradece à autora, que é membro do nosso Comitê Acadêmico, pela oportunidade de compartilhar esta celebração que é também e, sobretudo, ação entre as múltiplas gerações da nossa comunidade. Parabéns Lia Zanotta Machado!

Palavras de Lia Zanotta Machado, na outorga de título de professora emérita pela UnB (e alguma reflexões em tempos de pandemia).


   Brasília, 06 de abril de 2021.

É uma grande honra a outorga do título de professora emérita da Universidade de Brasília pelas mãos da Reitora Marcia Abrahão a partir da proposta encaminhada pelo Departamento de Antropologia ao Instituto de Ciências Sociais e ao Conselho Universitário. Departamento que detém um tão alto padrão acadêmico e participação pública na defesa dos direitos sociais e da diversidade cultural no espaço brasileiro e internacional. Com enorme alegria e gratidão ouvi a fala do meu querido ex-aluno e brilhante orientando de mestrado e doutorado, Carlos Emanuel Sautchuk, atualmente coordenador da Pós-graduação de Antropologia Social. Agradeço a sua extrema generosidade. Agradeço a cada um e cada uma dos e das colegas do Departamento de Antropologia que generosamente propuseram e aprovaram que o título de professora emérita me fosse outorgado. Com muita emoção ouvi as saudações de colegas que, por diversas razões, participaram das peripécias ao longo de suas carreiras e de minha carreira nas distintas configurações políticas que permearam e permeiam nossas reflexões teóricas e empíricas. Roque Laraia, o primeiro dos professores de antropologia da UnB, que conheci antes de para cá vir e com quem sempre mantive interlocução antropológica; Antonio Carlos de Souza Lima, amigo de todas as horas e das horas mais difíceis, políticas e pessoais, que me incentivou a assumir a presidência da ABA, em sequência ao seu próprio mandato; Lourdes Bandeira, com quem compartilho a posição feminista e com quem, juntamente com Mireya Suarez, levei à frente as pesquisas sobre gênero, feminismo e violência em nossos departamentos e no Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher da UnB (NEPeM); Cristina Patriota de Moura, com quem organizei o livro A cidade e o medo juntamente com Antonádia Borges e de cuja coletânea sobre o nosso saudoso    Gilberto Velho, por ela organizada, participei escrevendo um dos capítulos. E, finalmente, Benício Viero Schmidt, meu companheiro de vida desde os anos em torno a 1988. Juntos compartilhamos muitas reflexões políticas e finalmente, em 2019, escrevi com ele um texto a quatro mãos sobre os “Desafios à democracia no Brasil”. Ao Jorge, funcionário do Departamento de Antropologia, agradeço a linda performance musical. Agradeço o carinho de meu filho Leandro, a minhas enteadas, Moema e Isabel, minha nora, meus genros, meu neto e minhas netas, minhas irmãs e meu irmão, minha ex-enteada Vania e meus ex-enteados. E a todos os amigos e todas as amigas presentes nessa reunião virtual.

Impossível uma fala nesse momento sem apontar o terrível desgoverno em relação à pandemia, ao desmantelamento das políticas de direitos humanos e aos riscos à democracia. Mortes se multiplicam e vidas se tornam descartáveis. Desumanização em curso. Milhares de vidas cujas mortes parecem não importar, mas que na verdade são em grande parte mortes evitáveis se houvesse políticas públicas e científicas adequadas. Voltarei a essa questão ao final.

Começo voltando no tempo, ao meu passado. Um rápido retrospecto de como cheguei à UnB. Os tempos eram outros na universidade. Não havia concursos, mas sim a possibilidade de ser contratada como professora colaboradora. Em setembro de 1977 fui integrada ao Departamento de Ciências Sociais da Universidade de Brasília como professora colaboradora de antropologia. Não posso deixar de agradecer ao querido e saudoso professor Roberto Cardoso de Oliveira e ao professor Roque de Barros Laraia que me convidaram a apresentar o currículo e a realizar uma palestra junto ao departamento para viabilizar a aprovação de minha entrada. O que foi feito. Já havia terminado os créditos de mestrado e doutorado na USP. Havia sido já professora de sociologia em São Paulo na Fundação Getúlio Vargas e em Curitiba, na Universidade Federal do Paraná. Já estava aqui em Brasília quando defendi o mestrado e depois, em 1980, o doutorado pela USP. Já no ano seguinte, me tornava coordenadora de pós-graduação de antropologia encaminhando a proposta de criação do doutorado em antropologia da UnB. Como disse, os tempos eram outros. Estávamos nos inícios da instauração da pós-graduação de antropologia no Brasil.

Estado, escola e ideologia foi livro originado da tese de doutorado. Enquanto meus primeiros livros e artigos publicados foram em sociologia do desenvolvimento e políticas educacionais, meus primeiros artigos em antropologia se voltaram para família, honra e gênero.

As reflexões teóricas desse momento da passagem da sociologia para a antropologia e para as novas temáticas incidiram e produziram reflexões sobre as possibilidades e incongruências no uso teórico combinado dos termos ideologia e cultura, e sobre a possibilidade de articular o entendimento de origem marxista da dominação e das contradições ao entendimento dos princípios de organização social referidos à reciprocidade tão caros à antropologia e dos princípios de vinculação tão caros à psicanálise.

Entendo que a questão do poder e da desigualdade continuam atravessando de modo claro e direcionando minhas pesquisas, desde então construídas pela perspectiva antropológica, pelo meu gosto e relativo conhecimento da psicanálise e pela minha posição e reflexão feminista que vem dos anos 1979/80. Tornaram-se cruciais para mim as questões da diversidade cultural, dos valores, do simbólico, das subjetividades, da dimensão do “vivido” e de gênero, ao lado da desigualdade e do poder.

Hoje para mim não há, teórica e metodologicamente, possibilidade de se analisar sociedades e situações como se fossem uniformatadas. São sempre relações sociais em movimento. Se afirmo categoricamente que as razões das desigualdades de gênero, raça e classe no Brasil e nas nações modernas se devem à estruturalidade histórica hierárquica de gênero, raça e classe inserida não somente na memória social como na história jurídica do Brasil e da maioria das nações modernas, quero dizer que serão sempre assim ou que todos e todas vivenciamos as relações desiguais da mesma maneira. Não há condição de uma sociedade ser uniformatada e inerte. É preciso, portanto, vê-la em movimento enquanto socialidade, tal como conceituada pela antropóloga Marilyn Strathern.

A sociedade é estruturada sim, mas não é “uniformatada”. A sociedade não é uma entidade individual, como nos advertiu Bourdieu, não pode ser reduzida a uma função ou a uma cultura uniforme, como nos advertiu Eunice Durham, nem pode estar igualmente submetida àquele controle “maquínico”, à la Foucault, em que há uma “biopolítica” em que tudo é moldado. Há estrutura, há controle, há poder biopolítico. Mais do que isso: hoje se dá uma “necropolítica” na pandemia atual, mas a sociedade não é uniformatada. As interações sociais estão sempre permeadas de conflitos, percepções e sensibilidades distintas que se movem.

Toda noção de poder, de controle social, não pode ser analisada como “caminho de mão única” senão há reificação da sociedade. Há que se pensar a mudança e a socialidade através de sujeitos que têm posições sociais diferenciadas. Compartilhar valores culturais não significa ter posições e percepções uniformes. É dessa forma que eu faço um caminho entre teorias das Ciências Sociais, teorias antropológicas e teorias feministas. Assim como Spivak, percebo que as narrativas hegemônicas são as que se querem dizer para todos, que devem servir e se impor a todos; mas que não provêm de todos. Porque as narrativas de se autorretratar têm a ver com a necessidades que cada um tem de perceber onde se está inserido, e fogem ou podem fugir aos ditames das narrativas hegemônicas. Quando um indivíduo faz uma narrativa de se autorretratar a partir de sua inserção no mundo, essa narrativa não vai estar ou pode não estar de acordo com a narrativa hegemônica da elite que quer que todos tenham uma moralidade hegemônica. A narrativa hegemônica produz efeito sobre o sujeito pelo poder que exerce, mas não é a única narrativa à disposição. As narrativas ora se enfrentam, ora se aproximam, e são movimentadas por percepções, emoções e sentimentos.

É certo que na narrativa hegemônica se produz uma história única para a vivência individual de toda uma categoria de sujeitos, como nos diz a escritora feminista nigeriana Chimamanda Adichie, e que essa história única tem efeito corrosivo nas subjetividades. Mas entendo, assim como ela, que a história única proposta pela narrativa hegemônica não é a única história que as classes subalternas contam para si mesmas. O viver nas relações sociais é sempre mais e menos do que isso. Contradições e conflitos fornecem a continuidade da irrupção dos movimentos sociais e dos novos discursos e das novas legislações e concepções de justiça. Muitas vezes em nome da expansão dos direitos universais, outras vezes, lamentavelmente, para o crescimento do autoritarismo e da desigualdade social.

Passo agora aos principais temas do meu percurso acadêmico. Pesquisei e analisei, e continuo a fazê-lo, o confronto e a articulação entre as narrativas hegemônicas e as formas de vivência e percepções sobre violência de gênero, violência sexual, criminalização do aborto e feminicídio. Formas de vivência e percepção distintas segundo as posições sociais entendidas como interseccionadas por gênero, sexualidade, raça e classe. Pesquiso e analiso as políticas públicas de segurança, justiça, saúde e direitos reprodutivos e a proposição e feitura de legislação em prol dos direitos humanos, da legalização do aborto e da Lei Maria da Penha contra a violência doméstica. Também analisei movimentos sociais feministas (Feminismo em movimento) e sua relação com as produções feministas acadêmicas comparando Brasil, França e Estados Unidos. Analisei e analiso a construção de redes feministas e de políticas públicas pelos direitos das mulheres em países latino-americanos. Temas estimulados em grande parte pela minha participação política feminista e em prol dos direitos humanos, mas que jamais deixaram de lado os padrões da reflexão intelectual e da metodologia científica antropológica.

Minha participação no Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres (de 2003 a 2008) e minha entrada na Presidência da Associação Brasileira de Antropologia em 2017 e 2018 acionaram o desejo e a vontade de me dedicar à análise das conjunturas políticas em relação à democracia e à demanda por direitos humanos. Senti o temor de um ataque político aos direitos humanos com crescente intensidade diante das tendências neoconservadoras no Congresso que antecederam o atual governo. Já pesquisava a Frente Parlamentar Evangélica, acompanhando sua reação a propostas de legalização do aborto. Passei a pesquisar a Frente Parlamentar Agropecuária, responsável direta pelo ataque aos direitos indígenas à terra e dos quilombolas a territórios. Analisei o crescimento nas redes sociais de narrativas contrárias aos direitos das mulheres, aos direitos à diversidade sexual e aos direitos à igualdade racial. Chamo de neoconservadorismo a movimentação reacionária dessas duas frentes parlamentares juntamente com a Frente da Segurança (bancada da bala), as quais antecederam e construíram o caminho para a candidatura de Bolsonaro desde 2010. Publiquei artigo em que apresento a passagem do “tempo dos direitos” ao “tempo das intolerâncias”, dentro de um dossiê organizado com Antonio Motta na revista Vibrant para dar conta do avanço do neoconservadorismo no Brasil. E também em um dossiê na Revista de Antropologia da USP, organizado com Antonio Motta e Regina Facchini.

O desmonte das instituições estatais encarregadas da defesa do meio-ambiente e da proteção aos direitos indígenas e quilombolas aponta com clareza os lugares privilegiados dos setores do agronegócio na base econômica governamental e na destruição da política ambiental. A negação do aquecimento global como efeito das atividades humanas faz parte da narrativa neoconservadora do atual governo, e estimula a crescente insensibilidade diante do ataque aos direitos ambientais e aos direitos indígenas e quilombolas de acesso a terras.

Os lugares privilegiados dos setores evangélicos neoconservadores nas relações com o governo recobre a paralisia das políticas em prol dos direitos humanos, dos direitos das mulheres e dos direitos à diversidade sexual e à igualdade racial. Mas não só. São responsáveis por legitimar o recuo das políticas educacionais à quase paralização ou à inanição pelo desmonte orçamentário de organizações de fomento à formação pós-graduada e à produção de ciência e pesquisa. No ano de 2019 foram desmontadas importantes políticas públicas de defesa dos direitos humanos e instalou-se a proposta armamentista, em que a vida se torna descartável.

A desumanização discursiva precedeu e foi simultânea ao desmonte das políticas públicas para direitos humanos e ao tempo da pandemia. A desumanização discursiva é mais do que uma ofensa. Na ofensa, a desumanização está contida como ameaça. A desumanização discursiva atinge como metáfora reificante toda uma categoria inscrita como alteridade inferior. Estava já presente na fala do candidato vencedor em 2018. É o que estava presente na proposição literal de que os quilombolas, por serem negros, são medidos em arrobas, terminologia voltada para o peso de animais e grãos. É o que estava presente em sua tachação da maioria dos indígenas como “não evoluídos”, que, por isso, deveriam ser destituídos do acesso a terras tão essenciais para viver em seu modo  tradicional de organização. Quanto aos

indígenas “evoluídos”, seriam apenas “quase iguais a nós”, “nós” designando “os humanos”. Em relação às mulheres, deveriam ter mérito para serem estupradas e poucas teriam mérito ou autoridade em seus trabalhos por serem mulheres. Em relação aos homossexuais, ou se trataria de uma escolha que pode ser facilmente desfeita ou de uma patologia. Em entrevista em 2014, a homossexualidade seria resultado, em suas palavras, do “comportamento, da amizade, do consumo de drogas. Apenas uma minoria nasce com defeito de fábrica”. Daí ele negar a validade das reivindicações dessa minoria e afirmar que seriam reivindicações por “superpoderes”. Desumanização irônica e depreciativa.

Não por acaso, estava relendo o livro V das Ordenações Filipinas, ordenações jurídicas de nossos tempos coloniais. Lá a desigualdade social entre nobres e plebeus é entendida juridicamente como “diferença de qualidade”. Muitas outras “diferenças” são produtoras de inferioridade humana. O escravo não é cidadão, é propriedade, mas os escravos podem ser condenados por atos que sejam considerados crimes. A conceituação de crime é muito próxima a de pecado. Muitas vezes a palavra pecado substitui a palavra crime. A pena de morte é banalizada. Homossexuais e hereges, se acusados, devem ser mortos, não de morte natural, mas queimados vivos e feitos pó. A sodomia era considerada crime de lesa-majestade e tornava também infames os descendentes de seus praticantes, caso houvessem. Mulheres casadas, se acusadas de adultério, mereciam a pena de “morte natural”, seja pela lícita execução por seus maridos, seja pela justiça. Mulheres casadas adúlteras podiam ser licitamente mortas pelos seus maridos, seja em flagrante, seja depois, desde que se propusessem a provar o adultério; mas a demonstração da prova podia se basear apenas em conjeturas. Se não mortas pelos seus maridos, o eram pela justiça. Os adúlteros que fossem acusados pelos maridos das mulheres casadas também mereciam a morte somente se fossem de “qualidade” menor. Maridos nobres podiam matar plebeus que praticassem adultério com suas mulheres.

O discurso do atual governante parece, em certa medida, querer contribuir para o imaginário simbólico de longa duração que fortalece a intolerância e desumanização em relação a mulheres, homossexualidade e LGBTTI, a intolerância religiosa, bem como o racismo e a desigualdade racial e étnica, que tanto mais é desumanizadora quanto mais são considerados “outros” não merecedores de serem igualmente humanos. Não merecem vida também as mulheres e meninas que abortam por quaisquer razões que sejam.

Hoje não temos a pena de morte. Mas temos a pandemia que ameaça a vida e exige respostas do poder estatal e da sociedade civil. A desumanização se expandiu – na discursividade e na inação governamental federal para salvar vidas. A inação governamental não é negligência. Advém do desejo do governante de negar a pandemia, desejo no sentido psicanalítico, e da vontade expressa de negar a gravidade do coronavírus, a efetividade da vacina, as recomendações científicas médicas, manifestando horror às medidas restritivas sanitárias. Quando o poder estatal não oferece resposta condizente para conter a pandemia, institui a banalização das mortes.

O filósofo Agambem na obra Homo Sacer nos fala sobre o sentido do poder capaz de instaurar mortes como descartáveis, aquelas que sequer possam ser vistas ou como sacrificiais ou como puníveis pela justiça. Aquelas que, simplesmente por estarem submetidas ao poder do soberano, podem ser impunemente descartadas. Vidas e mortes tornadas descartáveis. Vidas e mortes que não importam. A ação desumanizadora governamental, até então voltada a segmentos específicos, se estende e alcança a vasta maioria da população. Atinge em especial as camadas mais vulneráveis, que, impotentes, assistem a familiares morrerem pela doença do coronavírus, não sem antes sofrerem por não conseguirem acesso ao atendimento médico e hospitalar, morrendo na espera em filas ou por falta de insumos médicos e de oxigênio. Ou então adoecem ou morrem por falta de condições econômicas de aderir à política de distanciamento, por não terem apoio de medidas governamentais que supram parte de suas pequenas rendas, que se tornaram menores ou inexistentes.

A maior parte das pessoas das classes mais vulneráveis são pardas e negras e suas mortes deveriam ser conceituadas como “mortes evitáveis”, tal como concebido na fala médica. A maior parte das mortes entre classes médias e altas, do mesmo modo descartáveis na fala do governo, se dá em geral após ter pelo menos acesso a atendimento médico e hospitalar. Pelo menos por enquanto e não se sabe até quando. Mas já perdemos professores e estudantes da UnB e de tantas outras universidades e escolas devido à Covid. Com mais medidas restritivas provavelmente essas vidas poderiam ter sido salvas.

As mortes são tão descartáveis que sequer mereceram ser contabilizadas pelo poder público nacional. Um consórcio de entidades de imprensa é que se organizou para isso.

Mas os conflitos, as contradições e as oposições cresceram, e brechas se abriram no cenário político após um ano do início da pandemia no Brasil. Hoje o Ministério de Saúde legitima a vacina e o uso da máscara. Há alguma atenuação do negacionismo, insuficiente, porém, para interromper o crescimento exponencial de contaminações, internações e mortes. A pandemia mundial ensina que as boas práticas exigem mais do que finalmente acreditar na vacinação e fazer vacinar, mas também instaurar medidas sanitárias de restrição de mobilidade em nível nacional e internacional (lockdown), além de um indispensável apoio emergencial para reposição parcial dos ganhos de empregados que perdem parte dos salários, de desempregados e dos trabalhadores informais invisibilizados. Vacinações insuficientes, distanciamento social insuficiente, medidas restritivas de mobilidade inexistentes ou inefetivas favorecem contaminações exponenciais, tornando caótica e extremamente insuficiente a capacidade do atendimento médico e hospitalar e até mesmo dos serviços funerários. Morbidades, mortes e corpos descartáveis.

Referindo-se à expansão da desumanização pelo nazismo, Bauman entende que para que as inibições morais sejam suspendidas diante do cometimento de violências, a condição prévia é que já tenha ocorrido a desumanização de um segmento social oprimido por definições e doutrinações ideológicas e que a violência narrativa e de tratamento seja autorizada pelas práticas governamentais. Segmentos da sociedade já haviam sido tornados infames ou inferiorizados desde as falas que antecederam a posse do candidato eleito e que resultaram no desmonte das políticas de direitos humanos.

As mortes advindas do início da pandemia foram consideradas banais. Houve menosprezo repetido do luto, do perigo da pandemia e das formas de combate e prevenção da contaminação. Essa mesma “fala de poder” vem sendo repetida continuamente por mais de ano. Se a fala do poder não conseguiu fazer uma história única para todos e para cada indivíduo, conseguiu fazer uma única história para orientar a inação de toda a estrutura governamental federal. Dizia Chimamanda: “é assim que se cria uma única história: mostre um povo como sendo uma coisa, repetidamente, e será o que eles se tornarão.” A fala presidencial, de tanto se repetir a partir do lugar do poder e tendo como apoio um “eleitorado específico”, conseguiu a total adesão da estrutura de poder federal responsável pelo combate à pandemia, com fortes efeitos nos poderes dos estados e municípios. Não fora o Supremo Tribunal Federal, talvez pudesse ter instalado o poder autoritário do absoluto impedimento ao combate à pandemia por estados e municípios.

O olhar para si de um governo deveria se espelhar em se reconhecer como representante de um “Poder de Estado” sustentado na Constituição. O atual governo se quer distanciado de tal percepção.

Sei que fugi ao contexto cerimonial e de maior alegria da outorga de título de professora emérita pela Reitora da Universidade de Brasília, Marcia Abraão. A nossa dupla tragédia da pandemia e do desgoverno me levaram a essas palavras.

Volto-me agora finalmente para agradecer a presença (e as palavras generosas) do Diretor do Instituto de Ciências Sociais, meu amigo Arthur Trindade, do Chefe do Departamento de Antropologia, o amigo Daniel Simião, e de todas e todos que participam da assistência a essa reunião virtual, ilustres colegas das lides acadêmicas e das colegas e companheiros que militaram pelos direitos humanos, pelos direitos das mulheres e da diversidade sexual, pelos direitos à não discriminação racial e étnica, ou pela defesa dos saberes das ciências sociais e de todos os saberes científicos. Agradeço muitíssimo a convivência com colegas da Associação Brasileira de Antropologia, da ANPOCS e da SBPC.

Volto-me em especial para agradecer a convivência enriquecedora de todas e todos os membros do Departamento de Antropologia, professores, técnicos e estudantes com os quais convivi e voltarei a conviver presencialmente se a pandemia nos permitir. Ao agradecer a Rosa e Laise, agradeço a todos os funcionários do Dan. Ao agradecer ao atual chefe do Departamento, Daniel Simião, e a Carlos Emanuel, coordenador da Pós-Graduação, agradeço a todos os colegas, dos mais antigos aos mais novos, e agradeço ao IRIS. Ao agradecer à minha ex-orientanda Tatiane Duarte, que participa comigo do Nepem; a Izis Reis, que participa comigo do Fórum sobre a Lei Maria da Penha; e a Natalia Bezerra, atual orientanda, agradeço a todos os orientandos e alunos no decorrer de minhas lides de orientadora e professora, com os quais tanto ensinei como aprendi. Ao agradecer a Cristhian e Moisés do Departamento ELA de Estudos sobre a América Latina, agradeço a todos os professores que fazem comigo parte daquele colegiado.

Ao agradecer à Reitora, agradeço aos membros do Conselho Universitário, a todas as professoras e todos os professores, técnicos e técnicas administrativas de toda a UnB, tendo em vista que a muitos conheci nas minhas incursões como ex-candidata à reitoria e vice-reitoria, como ex-membro do Conselho Universitário, como ex-assessora internacional da UnB, ex-diretora do Instituto de Ciências Humanas e ex-chefe do Departamento de Antropologia. Encontrei sempre uma muito boa administração e acolhida.


Referências Bibliográficas:

ADICHIE, Chimamanda. “Os Perigos de uma História Única”. Vídeo disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ZUtLR1ZWtEY

AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: 0 poder soberano e a vida nua. (Trad. de Henrique Burigo). Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2002.

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e Holocausto. (Trad. Marcus Penchel). Rio de Janeiro: Zahar, 1998.

BOURDIEU, Pierre. Razões práticas: sobre a teoria da ação. (Trad. Mariza Corrêa). Campinas, SP: Papirus, 1996.

DURHAM, Eunice Ribeiro. “A pesquisa antropológica com populações urbanas: problemas e perspectivas”. In: CARDOSO, Ruth (Org.). A aventura antropológica. Teoria e pesquisa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986, p. 17-39.

FOUCAULT, Michel. Nascimento da Biopolítica. São Paulo: Edições 70, 2010.

MACHADO, Lia Zanotta . Estado, Escola e Ideologia. São Paulo, Editora Brasiliense, 1983. Segunda edição, 1994.

MACHADO, Lia Zanotta. “From the Time of Rights to the Time of Intolerance. The Neoconservative Movement and the Impact of Bolsonaro Government. Challenges for Brazilian Anthropology” (“Do Tempo dos Direitos ao Tempo da Intolerância. A Movimentação Neoconservadora e o Impacto do Governo Bolsonaro. Desafios para a Antropologia Brasileira). VIBRANT, v. 17, dezembro de 2020. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/vb/v17/1809-4341-vb-17-e17458.pdf

MACHADO, Lia Zanotta; MOTTA, Antonio. “Brazilian Anthropology in Times of Intolerance: The challenges of Confronting Neoconservatism”. VIBRANT, v. 16, 2019, p. 5-24.

MACHADO, Lia Zanotta; MOTTA, Antonio.; FACCHINI, Regina. Quem tem medo do(a)s antropólogo(a)s? Práticas científicas em novos cenários políticos. Revista de Antropologia, v. 61, 2018, p. 09-32.

STRATHERN, Marilyn. O gênero da dádiva: problemas com as mulheres e problemas com a sociedade na Melanésia. Trad. André Villalobos. Campinas: Editora da Unicamp, 2006.

SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Crítica de la razón pós-colonial. Hacia una historia del presente evanescente. Madrid: Ediciones Akal. S.A., 2010.

 


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2021 02 rodape

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